sexta-feira, 16 de julho de 2010

Quero não, obrigado!




A manhã de ontem começou muito mais cedo que o normal. Acordamos às 4h pra sair de Ilhéus às 5h. Pegamos estrada rumo ao extremo sul da Bahia, numa viagem de pouco mais de quatro horas até Porto Seguro. O trajeto, cortando a espessa neblina da região montanhosa, nos levaria da região cacaueira, onde ficam todas as cidades de que falamos até agora, até a costa do descobrimento, onde ficam cidades como Eunápolis, Porto Seguro, Santa Cruz Cabrália, Trancoso e Arraial D’ajuda.

Deixamos Volney no assentamento Terra à Vista, próximo a Camacan, que fica pouco depois de Itabuna, vizinha de Ilhéus. Falando em assentamento, a região é povoada deles, assim como de acampamentos do MST, que é bastante forte por aqui.

A BR-101 – rodovia federal que vai do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, e de que faz parte a via Dutra, nosso caminho para o Rio de Janeiro – só tem uma pista de ida e uma de volta, como as outras estradas que conheci por aqui. A mudança de regiões que falei foi bastante ilustrativa no caminho. Enquanto Cinira me explicava que a região do extremo sul tem como bases da economia a pecuária e as plantações de eucalipto, a neblina que tomava conta daquela região montanhosa deu uma trégua, como num estalo, e pude perceber a mudança imediata de paisagem ao ver de um lado uma floresta de eucaliptos e do outro uma grande área de pasto.


BR-101: pista simples e vista privilegiada

Ao chegar a Porto Seguro, deixamos Cinira em Coroa Vermelha, onde ela daria o curso para os índios de uma tribo Pataxó e voltamos para Taperapuã, a praia mais turística da cidade, para escolher uma das barracas para ficar. Sentamos no Tôa-Tôa, a mais badalada. O movimento de pessoas era pequeno, típico de inverno na praia, ainda que o clima fosse de verão, sem uma nuvem no céu e com muito sol e calor.

Aos poucos o clima de inverno foi sumindo e muitos turistas começaram a chegar. Já não tinham mais mesas disponíveis ao nosso redor e as pessoas já começavam o processo de colocar toalhas e cangas no chão ou em cadeiras mais próximas do mar (o que nos deu visão privilegiada de duas catarinenses que olha... Bom, melhor deixar vocês verem, afinal o garçom que ficou nosso amigo tirou foto delas fingindo que era da gente). Junto com os turistas que acordavam tarde chegou também o povo que comanda o palco da cabana, o DJ que comanda o som e a companhia de dança que ensina a galera. Já tinha estado em Porto antes, e a diferença do que vi ontem para o que vi no verão não era tão grande viu...


"Essas mulheres não são de verdade não", Volney

O problema é que com todo esse movimento, chegou também o movimento que mereceu destaque no título desse texto, os ambulantes. “Quero não, obrigado”deve ter sido dito por nós umas 1.342 vezes no tempo em que ficamos sentados ali. Tatuagem de Henna, trança, tererê, ostra viva, artesanato, óculos escuros, empadas, camarão no espeto, queijo coalho, tudo com as mais criativas táticas de convencimento.


Bora fazer o passeio de Banana aí moral?

O cara da tatuagem de Henna pegava no braço e dizia “vamos botar um tribal nesse braço forte patrão?”, ou então “me deixa só mostrar meu trabalho aqui...”, os da ostra faziam boas brincadeiras, que iam do velho “precisa de um Viagra aí?” ao inusitado “já chupou uma coisa viva?” e os dos camarões no espeto diziam que estava fresquinho, assim como as tias das empadas, mas os mais engraçados eram, de longe, os das tranças. Thomaz, com seu cabelão e seu Ray Ban, foi chamado de empresário umas três ou quatro vezes (o que por sinal nos levou à questão de quem seria eu: um gigolô, um segurança talvez?), e teve um cara que chegou e disse “e aí Maradona, bora fazer esse cabelo?”. Firmes, resistíamos com a frase do título.

Almoçamos casquinha de Siri e batata frita, acompanhados da Brahma (sim, lá tinha bastante) que apreciamos durante toda a manhã na mais paulista das cidades baianas. Enquanto isso, paulistas, mineiros e gaúchos aprendiam a dançar axé na pista atrás de nós com um professor da casa. O professor, por sinal, dominou a cidade com seu DVD que ensina os passos. Não dei muita importância enquanto ele anunciava a venda, de cima do palco, a R$ 10. Só soube mesmo do que se tratava quando chegamos à famigerada Passarela do Álcool, à noite, e só via na TVs das barraquinhas de CD e DVD pirata os mesmos carinhas de short de axé verde limão dançando Rebolation.



Galera, agora vou tocar pra vocês uma música do Parangolé...


Pagamos a conta de turista da barraca e fomos dar uma volta pela cidade esperando a hora de buscar Cinira. Comprei alguns presentes e uma Folha de S. Paulo que não li (mas o Thomaz leu) porque, ao chegar à pousada eu só queria saber de dormir, afinal não consigo dormir em carro (porque geralmente não caibo) então tava em pé direto desde às 4h da manhã. Capotei até a hora de sair pra jantar, quando aí comprei mais presentes, uma camiseta pra mim e um sorvete na sorveteria do coelho anão.

Vida difícil, realmente muito complicada...

No caminho para a pousada, que ficava em algum lugar misterioso – sério, nos perdemos TODAS as vezes em que procurávamos por ela pra voltar -, saímos na avenida um pouco antes de onde gostaríamos. Para chegar no lugar certo era necessário fazer um retorno ou, como de costume em todo lugar no Brasil, passar por cima das tartarugas e cortar no lugar proibido. Todos concordaram que dava pra ir depois que o paulista aqui disse “ah, não deve ter guarda aqui”. Foi passar sobre a tartaruga e ver a porra do guarda mandando encostar! Cinira deu uma de João-sem-braço, disse que não sabia que não podia e o guarda disse que ia ficar só na instrução. O detalhe é que, por pura sorte, a carteira dela tinha vencido há apenas 11 dias, o que ainda dava a ela o direito de usá-la. Dezenove dias depois e o carro teria sido preso...

Passados os percalços, fui dormir com aquele ardor gostoso de quem tomou sol irresponsavelmente nas costas e a sensação de estar em Porto Seguro no verão.
Cinira nos acordou antes do café da manhã da pousada ser servido para levá-la onde ela daria o curso novamente. Voltamos, comemos e dormimos até quase meio-dia. Sim, capotamos e não fomos pra praia mais. Parte disso é vagabundagem nossa, claro, mas a outra parte é a mais pura verdade sobre a cidade: a praia é maravilhosa? É, claro, mas nada fora do comum, nada que eu não encontre em São Paulo e, mais que isso, que já não tenha visto melhor, como em Serra Grande, para não ir longe no exemplo.


Quando tomamos coragem de levantar da cama fomos ao Centro Histórico. Concordamos em não contratar o guia turístico, que para um casal (que é como Thomaz e eu seríamos caracterizados pelo tarifário), custava R$ 26. Quando descemos do carro, no entanto, ele começou a falar e nos levar pelo lugar. Como típicos turistas, acompanhamos o cara até o fim e depois ouvimos ele dizer o preço. Bom, pelo menos ele não cobrou cachê pra aparecer no vídeo que fizemos e que vai pro YouTube (e vem pra cá) assim que formos a uma Lan House novamente. (Como postamos da casa de Ilhéus e usando a conexão do celular, melhor não tentar colocar o vídeo agora...)


Primeira cadeia: paredes com 1m de espessura!

Vimos as primeiras igrejas, a primeira cadeia, a pedra fundamental, o mirante, enfim, tudo que turista tem direito. Comi em Porto Seguro meu primeiro acarajé vendido por uma baiana caracterizada, e que delícia de acarajé! Foi o melhor que comi até agora, mas o sabor e a fantasia da baiana têm preço, a iguaria me custou R$ 5, o que é mais de 100% mais caro que a média, como já sabe quem acompanha esse blog desde o começo...


O guia nos mostrou as casas, que são todas tombadas como patrimônio histórico, e explicou coisas interessantes sobre elas. Cada uma tem uma cor diferente porque isso de colocar número nas casas é uma coisa mais recente. No início eu te diria que moro na rua X na casa vermelha, e não no número 50, e mais, casas da mesma cor pertenciam à mesma família. As casas foram passadas de geração em geração e, quem não se desfez delas antes de serem tombada e a cidade virar turística se deu bem: Malu Mader, a família de José Serra e Gilberto Gil estão entre os nomes que compraram, a preço de ouro, uma daquelas casinhas.


A "casinha" de um turista americano, vizinhança pobre, coitado..

De volta a Ilhéus, agora é esperar o show de amanhã, aquele do suspense todo. A festa, tradicionalíssima, chama-se Trivela, e é promovida pelo Asa de Águia. Já estamos com a camiseta da festa em mãos, agora é curtir!

Ah sim, e como o baiano sempre diz que Porto Seguro é a cidade menos baiana da Bahia, hoje não aprendi nenhuma palavra nova do baianês. O conhecimento do dia viria das palavras eira e beira, se eu não tivesse aprendido isso na escola. O lance é que a casa do delegado lá no Centro Histórico tinha tribeira, e disso eu nunca tinha ouvido falar.. haha



Praia Fake, galera fake e uma baiana de verdade

Eu não sou um grande fã de Porto Seguro, quem me conhece em São Paulo sabe que eu sou da opinião de que essa é a menos baianas de todas as cidades da Bahia. O que não quer dizer que não tenha curtido ir pra lá, tomar aquela cerva na praia, ser confundido com turista o tempo todo e ser chamado de Maradona por um ambulante. Aliás, o tempo inteiro eu e o Botão mais cabeçudo da terra temos discutido o que nós podemos parecer pra essa galera nos lugares, ríamos com a impressão de casal gay que poderíamos passar, mas depois de encontrarmos com um casal genuinamente do gênero na praia concluímos que não parecemos (nem de longe!) homossexuais em lua-de-mel.

Voltando a Porto, a sensação que tenho é que tudo ali é uma engambelação absurda, no sentido de artificialidade da coisa. Aquele povo dançando no palco, um bando de gente te oferecendo qualquer coisa pra comprar, um monte de índio branco, preto e até amarelo, mas vermelho mesmo é um ou dois.

Trocando em miúdos, adorei ter ido a Porto, mas não escolheria a cidade para definir como um local da Bahia, é uma cidade festiva, cheia de gente bonita, repleeeta de história, mas sem identificação com o estado que este blog visa discutir. Porém (ah porém!), foi lá que vimos a nossa primeira vendedora de acarajé vestida de baiana, talvez por uma exigência, talvez por jogada de marketing, mas o fato é que foi a primeira. E nem era uma caracterização completa, era só o turbante e uma saia, a blusa mesmo era normal.

Considero uma pena que isso tenha acontecido, pois na minha infância era comum ver baianas comandando as bancas; paciência, ninguém é obrigado a cultuar uma religião em nome das vendas, exceto em Salvador, pois para não descaracterizar a imagem do acarajé os vendedores são obrigados a usar o traje ligado à religião africana.

Um fenômeno que me incomoda, e muito, é o tal do "Acarajé evangélico", pois é. Aqui tem uma galera que põe esse nome no alto da barraca e isso atrai clientes, notei até minha mãe (evangélica, mas não é nem de longe radical com religião. Verdade) dando certa preferência a uma banca que levava a etiqueta sagrada. A sensação que dá é que existe um prazer em formar guetos, acarajé não fala, não pensa e nem tem religião! No passado era uma oferenda aos santos africanos, mas não é uma receita ensinada por um orixá, é somente uma comida e ponto.


Bom, pra mim já deu desse papo cabeça, eu tô aqui pra comentar e cornetar, portanto retomemos essa árdua tarefa. Nos últimos dois dias aprendi ou conhecí tanto quanto o Botão, portanto não tenho grande moral para resenhas mais fortes. Enquanto isso um beijo e um queijo para todos.

Ouçam "La belle de jour" de Alceu Valença, tudo de Geraldo Azevedo e nunca, nunca procurem a versão de Zé Ramalho para Bete Balanço, Cruzes!

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